Como os jornalistas independentes estão investigando a destruição da Amazônia com a ajuda de novos informantes

8 de dezembro de 2024

Nicoly Ambrosio, repórter da Amazônia Real, entrevista fonte de uma comunidade da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, no Amazonas. Foto: Nicoly Ambrioso (arquivo pessoal)

Na batalha para salvar a Floresta Amazônica, os jornalistas estão expandindo sua lista de contatos.

Encontrar, conhecer e ganhar a confiança de pessoas importantes dentro de questões importantes, e que possam dar informações importantes é o trabalho de repórteres em todos os lugares. Mas nos últimos anos, os jornalistas da Amazônia e os veículos independentes para os quais escrevem têm repensado quem são essas pessoas, onde podem ser encontradas e como devem ser as relações com elas. 

Esses jornalistas argumentam que as reportagens tradicionais sobre a Amazônia se baseiam demais nas vozes do governo e empresários, além de especialistas de fora da região, e que as perspectivas das comunidades marginalizadas que protegem grande parte da floresta - incluindo povos indígenas, comunidades ribeirinhas e quilombolas - são completamente negligenciadas. Ainda de acordo com os profissionais, essa lacuna nas redes de fontes de repórteres leva a mídia a retratar a região e seus grupos marginalizados de maneiras imprecisas e estereotipadas, bem como a ignorar os problemas mais graves enfrentados pela região e seu povo.

Os veículos independentes que surgiram na Amazônia na última década procuram expandir suas redes de fontes além dos centros de poder, para construir relacionamentos com comunidades marginalizadas, permitindo que seus jornalistas revelem abusos e irregularidades não relatadas de direitos humanos e, ao fazê-lo, ajudam a trazer mudanças.

“Fazemos jornalismo”, disse Elaíze Farias, cofundadora da Amazônia Real, uma pioneira entre essas agências independentes. “O nosso principal objetivo é falar do mesmo assunto de uma outra forma, ouvindo todas aquelas pessoas que muitas vezes não eram ouvidas para nada sobre assuntos que lhes atingia".

Essas agências de notícias desenvolveram uma ampla rede de relacionamentos estreitos com comunidades que estão na linha de frente da batalha para preservar a Amazônia, permitindo que seus jornalistas tenham acesso exclusivo a algumas das pautas mais críticas da região, incluindo pautas sobre destruição ambiental, abusos de direitos humanos e corrupção. 

Quando essas comunidades sofrem uma invasão de terras, emergência climática ou encontram uma balsa garimpeira em seu rio local, por exemplo, os repórteres são alguns dos primeiros a descobrir. “As pessoas dentro das próprias aldeias indígenas, sas comunidades ribeirinhas, elas me enviam essas denúncias”, disse Nicoly Ambrosio, repórter da Amazônia Real, afirmando que permanece em contato constante com essas comunidades mesmo quando não está trabalhando em uma reportagem relacionada. “Falando e fazendo matérias sobre esses assuntos, a gente cria meio que uma relação".

A ausência de uma plataforma para muitas dessas comunidades expressarem suas demandas, somada a ausência do governo em muitas áreas, faz com que os repórteres ocupem um papel crítico no compartilhamento dessas pautas com o mundo. Em muitos casos, as reportagens pressionam ativamente as autoridades para resolver uma crise com a qual pouco tinham ideia do que estava acontecendo ou sequer demonstravam se importar.

Esse foi o caso da reportagem de Catarina Barbosa sobre uma comunidade em Anapu, no Pará, cuja escola foi incendiada por invasores de terra. O governo originalmente fez com que as crianças da comunidade frequentassem uma escola diferente a quilômetros de distância, em vez de reconstruí-la. Porém, após a publicação da história de Barbosa, que contou com os relatos de vários membros da comunidade, o governo municipal chegou para reconstruir a estrutura de madeira.

Impacto semelhante veio da reportagem da Amazônia Vox sobre o pré-natal nas comunidades ribeirinhas, que levou a um projeto de lei introduzido na legislatura estadual do Pará para dar prioridade às mulheres dessas comunidades no sistema de saúde do estado. O veículo independente, com sede em Belém, nasceu com a intenção de aumentar a representação de vozes locais e marginalizadas nas reportagens sobre a Amazônia. Em seu site, a Amazônia Vox opera um banco de fontes da Amazônia, listando as informações de contato de centenas de especialistas e líderes comunitários na Amazônia para outros jornalistas utilizarem como fontes. Daniel Nardin, fundador do Amazônia Vox, disse que a intenção é “gerar conexão e fomentar a maior participação das vozes locais nas narrativas que são produzidas sobre a nossa região”.

Mas os jornalistas dizem que estabelecer fontes entre as populações locais requer mais do que apenas ter suas informações de contato. Muitas vezes é preciso tempo e cuidado para que se desenvolvam essas relações com pessoas marginalizadas, pois muitas delas não tiveram experiências positivas com a mídia.

“Me incomodava profundamente fazer reportagens e ouvir as pessoas dizendo: ‘Você vai realmente escrever o que eu estou falando? Porque o último jornalista que veio aqui colocou na matéria coisas que eu nunca disse’”, afirma Barbosa.

Superar essa desconfiança exige uma abordagem cuidadosa, o que inclui pedir permissão explícita para entrar nas comunidades e explicar às pessoas exatamente qual é o propósito da reportagem. “É preciso sempre ser transparente sobre suas as intenções, qual o objetivo da reportagem dela e o que pode acontecer de benefício,” disse Farias.

Às vezes, isso requer cultivar relacionamentos por meses antes que uma entrevista gravada realmente ocorra, como quando Farias conversou com uma comunidade no Vale do Javari por quase um ano antes de viajar para o território para fazer uma reportagem. 

Isso também significa entender que muitas pessoas têm uma experiência muito limitada de lidar com a mídia e podem até falar uma língua ou dialeto diferente.

“Eu escrevo para as pessoas, com as pessoas e sobre as pessoas. Por isso, quando encontro alguém que não sabe ler ou lê pouco, gravo a reportagem que escrevi em áudio e envio pelo WhatsApp”, disse Barbosa.

Os repórteres também devem ser pacientes com pessoas que podem ter apenas tempo limitado em que têm acesso à internet ou uma pausa no seu trabalho para falar com um jornalista. “Se você chega em um território ou fala com uma pessoa de uma cultura tradicional, primeiro em um lugar você tem que ter um respeito de realmente ser sensível à realidade dessa pessoa”, disse Ambrósio.

Essa paciência por parte dos repórteres vale a pena, dizem eles, não apenas porque construir relacionamentos com comunidades marginalizadas lhes dá informações valiosas e exclusivas sobre as crises mais importantes que ocorrem na Amazônia, mas também, por incluir as diferentes formas de conhecimento e formas de ver o mundo que essas fontes possuem. Esse fator é fundamental para a missão e responsabilidade de um jornalista: entender uma questão de todas as perspectivas. Isso é especialmente verdadeiro na Amazônia, onde especialistas e defensores do meio ambiente dizem que as formas não-ocidentais de entender e tratar a floresta são fundamentais para a preservação da região.

“A gente valoriza o saber das populações amazônicas”, disse Farias. “Ou seja, o saber da ciência não ocidental, da ciência indígena, da filosofia indígena. Esses intelectuais locais têm conhecimento e autoridade para falar sobre várias questões de nosso tempo, mas muitas vezes são menosprezados”.