Enquanto assistia à audiência da Comissão de Infraestrutura do Senado no dia 27 de maio, Adison Ferreira, cofundador do veículo independente Carta Amazônia, ficou apavorado.
A comissão havia convidado a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para discutir novas zonas de conservação na Amazônia. Mas, em vez disso, parlamentares usaram a oportunidade para lançar uma série de ataques contra Silva, que há muito é uma das principais figuras do movimento de proteção ambiental no Brasil.
Um senador disse a ela para “se pôr no seu lugar”, outro a acusou de “atrapalhar o desenvolvimento do país”, enquanto um terceiro a cumprimentou dizendo: “Não estou falando com uma mulher. Porque a mulher merece respeito, ministra não.”
Após isso, a ministra exigiu um pedido de desculpas. Quando o senador se recusou, ela deixou a audiência.
“Eu fiquei estarrecido por conta da violência política de gênero”, disse Ferreira. “Mas eu entendi aquele ataque muito além da ministra. O ataque era sobre essa pauta ambiental, sobre defensores ambientais”.
Para Ferreira, o episódio simbolizou um momento na política e sociedade brasileira de um retrocesso extremamente agressivo contra o meio ambiente. Nos últimos meses, políticos brasileiros, com apoio de amplos setores do eleitorado, avançaram em uma série de projetos, leis e ações executivas que podem causar impactos desastrosos ao meio ambiente no Brasil, especialmente na Amazônia.
Essas medidas — e o amplo apoio que receberam — deixaram os jornalistas ambientais na Amazônia, que por meio de suas reportagens tentam mostrar ao público os impactos catastróficos de projetos destrutivos como esses, lutando para manter a esperança.
“A gente vive até no sentimento de angústia. É um sentimento realmente de desamparo, de ‘meu Deus, onde é que isso vai parar, onde é que essas coisas vão, como é que isso vai acabar?’” disse Catarina Barbosa, repórter do veículo independente Sumaúma.
Recentemente, o governo brasileiro leiloou 19 blocos para perfuração de petróleo na Foz do Rio Amazonas, avançou com planos para pavimentar a BR-319 — uma rodovia controversa que atravessa uma das áreas mais preservadas da Amazônia — e recusou-se a derrubar o Marco Temporal, uma tese jurídica que afirma que povos indígenas só têm direito às terras que estavam sob sua posse em 1988, ano da Constituição brasileira.
No entanto, o golpe mais devastador veio no início deste mês, com a aprovação no Senado de um projeto apelidado pelos ambientalistas de “PL da Devastação”. A medida desestrutura todo o sistema de licenciamento ambiental, permitindo que projetos como a BR-319 e a perfuração na Foz do Amazonas avancem sem estudos ambientais legítimos. Críticos consideram o projeto uma das ações mais catastróficas para o meio ambiente desde o fim da ditadura, mas o movimento ambientalista está tão enfraquecido politicamente que a medida foi aprovada com 54 votos a favor e apenas 13 contra.
O Presidente Lula também se recusou a se opor à medida e já declarou apoio total à perfuração na Foz do Amazonas e à pavimentação da BR-319.
O sucesso e a popularidade desses projetos refletem a crença disseminada no Brasil de que, para o país crescer economicamente e tirar pessoas da pobreza, é necessário explorar os recursos naturais e sacrificar áreas ambientais.
“Eles relacionam essa pauta ambiental da esquerda com a pobreza, com os baixos índices de desenvolvimento social e econômico no Acre, na Amazônia”, disse Fábio Pontes, editor do Jornal Varadouro, veículo independente sediado no Acre. “A população é induzida a acreditar nisso, que sim, realmente Marina Silva é a grande culpada por deixar o Acre pobre, porque dizem que só o agronegócio é a melhor solução para o desenvolvimento”.
O objetivo declarado de muitos veículos independentes que focam na Amazônia é desmascarar esse discurso que conecta exploração ambiental ao desenvolvimento e mostrar que o contínuo descaso com a proteção da Amazônia resultará em consequências catastróficas.
Por exemplo, o veículo independente InfoAmazonia publicou recentemente uma investigação em várias partes sobre as consequências da perfuração de petróleo na Foz do Amazonas. Já a Sumaúma revelou bastidores da inação do governo Lula e seu apoio implícito ao PL da Devastação. E há meses, a Amazônia Real tem noticiado os impactos ambientais catastróficos da pavimentação da BR-319.
Essas reportagens costumam ser reveladoras, ao expor as forças econômicas e políticas por trás de projetos ambientalmente destrutivos, medir as consequências ambientais negligenciadas e dar voz às comunidades mais afetadas. Mas o impacto tangível dessas reportagens no debate público é mais difícil de mensurar.
“Eu comemoro as pequenas vitórias, às vezes uma reportagem que acaba resultando em um apoio ao Ministério Público Federal, ou alguma coisa que foi adiada na justiça. Enfim, a gente comemora porque, no geral, está bem complicado mesmo”, disse Barbosa.
Esse tipo de jornalismo enfrenta um verdadeiro dilúvio de desinformação, espalhada pelas redes sociais e por inúmeros veículos financiados por políticos e empresas, promovendo promessas econômicas desses projetos e ignorando suas consequências ambientais e sociais. Esses meios conseguem atingir audiências muito maiores do que as da imprensa independente.
“É um trabalho muito árduo, porque você está ali sozinho, praticamente remando contra a maré, muitas vezes sem apoio, enfrentando máquinas poderosas, como de parte dos políticos, do próprio agronegócio que também financia esse tipo de campanha, logicamente”, disse Pontes.
Isso tem levado os jornalistas ambientais a buscarem formas de ampliar o impacto de seu trabalho. Barbosa, da Sumaúma, publicou recentemente uma análise profunda sobre o impacto socioambiental da planejada demolição do Pedral do Lourenço, uma formação rochosa no rio Tocantins, na Amazônia. O projeto, que permitiria a navegação de grandes embarcações de carga, foi elogiado por veículos comerciais, mas Barbosa mostrou como ele eliminaria populações locais de peixes e, com isso, o modo de vida de comunidades inteiras.
Barbosa, uma jornalista experiente que já ganhou diversos prêmios de prestígio por seu trabalho, disse que frequentemente se vê lutando para aumentar o impacto de matérias como essa e alcançar pessoas que não consomem jornalismo de texto.
“Como é que você vai fazer a indignação do Pedral do Lourenço chegar nessas pessoas, porque elas não vão ler a minha matéria. E tá tudo certo, ninguém tá dizendo que, ah, é que o fulano que lê a matéria longa é mais inteligente. Não é sobre isso. É sobre reconhecer os públicos e os públicos hoje são dessa forma”, disse Barbosa.
Para essa matéria em particular, Barbosa enviou a reportagem para um tiktoker que publica sobre questões ambientais para mais de 100 mil seguidores, e ele produziu um vídeo sobre a história. “Não é fácil, e assim, não sabemos também o impacto que [o nosso jornalismo] está tendo”, disse Pontes. “Será que as pessoas vão mudar sua opinião em relação a isso? Não sei, mas a nossa tentativa é pelo menos desmascarar alguns discursos e sempre trabalhar com a verdade.”
Diante das graves necessidades econômicas que levam muitos no Brasil a acreditar nesse discurso antiambiental, os jornalistas também precisam ter empatia para combatê-lo.
“As pessoas na Amazônia estão preocupadas em pagar seus boletos. Elas estão preocupadas em ter a casa coberta pra não chover dentro. Elas estão preocupadas em ter comida na mesa”, disse Barbosa. “Se precisar derrubar a árvore para colocar comida na mesa, ele vai derrubar a árvore”, acrescentando que cabe ao governo incentivar ações sustentáveis em vez de projetos destrutivos.
Jullie Pererira, repórter da InfoAmazonia, concorda. Pereira publicou recentemente uma reportagem sobre uma operação do Ibama que confiscou centenas de cabeças de gado de fazendas ilegais em uma reserva ambiental no Acre. Em sua apuração, Pereira entrevistou um dos proprietários das fazendas que, chorando, disse que não tinha outra forma de sustento.
“O que eu tento fazer é deixar meu ouvido aberto de fato, sem julgar o outro”, disse Pereira. “E eu acho que isso é realmente o exercício de escuta. O repórter tem que saber escutar.”
Mas ter empatia pelas pessoas que buscam oportunidades econômicas não significa que esses jornalistas não estejam indignados com os ataques que políticos poderosos e grandes empresas vêm fazendo contra o meio ambiente nas últimas semanas.
“Eu sempre uso essa indignação”, disse Barbosa. “Eu acho que no jornalismo a gente é muito racional. Mas a gente não pode perder a capacidade de se emocionar.”
Em vez de recuar diante do amplo apoio ao desenvolvimento em detrimento da preservação, os veículos de imprensa independentes da Amazônia têm redobrado sua missão de usar o jornalismo para defender a floresta e suas comunidades.
“É o momento para a gente agir. Se a gente se acanha ou se conforma com o cenário, aí é que realmente não acontece nada”, disse Pereira. “Então, a mídia independente, eu estou vendo realmente motivada para cobrir esse tema.”
“Acho que nós estamos aqui nessa linha de frente, nas trincheiras, nos varadouros, resistindo e fazendo o que está ao nosso alcance”, disse Pontes, do Varadouro. “Enquanto a gente tiver energia, a gente está aí.”