Reporting the Understory

A Fulbright Research Project About Independent Journalism in the Brazilian Amazon

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Como os jornalistas independentes estão investigando a destruição da Amazônia com a ajuda de novos informantes

8 de dezembro de 2024

Na batalha para salvar a Floresta Amazônica, os jornalistas estão expandindo sua lista de contatos. Encontrar, conhecer e ganhar a confiança de pessoas importantes dentro de questões importantes, e que possam dar informações importantes é o trabalho de repórteres em todos os lugares. Mas nos últimos anos, os jornalistas da Amazônia e os veículos independentes para os quais escrevem têm repensado quem são essas pessoas, onde podem ser encontradas e como devem ser as relações com elas. Esses jornalistas argumentam que as reportagens tradicionais sobre a Amazônia se baseiam demais nas vozes do governo e empresários, além de especialistas de fora da região, e que as perspectivas das comunidades marginalizadas que protegem grande parte da floresta - incluindo povos indígenas, comunidades ribeirinhas e quilombolas - são completamente negligenciadas. Ainda de acordo com os profissionais, essa lacuna nas redes de fontes de repórteres leva a mídia a retratar a região e seus grupos marginalizados de maneiras imprecisas e estereotipadas, bem como a ignorar os problemas mais graves enfrentados pela região e seu povo. Os meios de comunicação independentes que surgiram na Amazônia na última década procuram expandir suas redes de fontes além dos centros de poder, para construir relacionamentos com comunidades marginalizadas, permitindo que seus jornalistas revelem abusos e irregularidades não relatadas de direitos humanos e, ao fazê-lo, ajudam a trazer mudanças. “Fazemos jornalismo”, disse Elaíze Farias, cofundadora da Amazônia Real, uma pioneira entre essas agências independentes. “O nosso principal objetivo é falar do mesmo assunto de uma outra forma, ouvindo todas aquelas pessoas que muitas vezes não eram ouvidas para nada sobre assuntos que lhes atingia.” Essas agências de notícias desenvolveram uma ampla rede de relacionamentos estreitos com comunidades que estão na linha de frente da batalha para preservar a Amazônia, permitindo que seus jornalistas tenham acesso exclusivo a algumas das pautas mais críticas da região, incluindo pautas sobre destruição ambiental, abusos de direitos humanos e corrupção. Quando essas comunidades sofrem uma invasão de terras, emergência climática ou encontram uma balsa garimpeira em seu rio local, por exemplo, os repórteres são alguns dos primeiros a descobrir. “As pessoas dentro das próprias aldeias indígenas, sas comunidades ribeirinhas, elas me enviam essas denúncias”, disse Nicoly Ambrosio, repórter da Amazônia Real, afirmando que permanece em contato constante com essas comunidades mesmo quando não está trabalhando em uma reportagem relacionada. “Falando e fazendo matérias sobre esses assuntos, a gente cria meio que uma relação.” A ausência de uma plataforma para muitas dessas comunidades expressarem suas demandas, somada a ausência do governo em muitas áreas, faz com que os repórteres ocupem um papel crítico no compartilhamento dessas pautas com o mundo. Em muitos casos, as reportagens pressionam ativamente as autoridades para resolver uma crise com a qual pouco tinham ideia do que estava acontecendo ou sequer demonstravam se importar. Esse foi o caso da reportagem de Catarina Barbosa sobre uma comunidade em Anapu, no Pará, cuja escola foi incendiada por invasores de terra. O governo originalmente fez com que as crianças da comunidade frequentassem uma escola diferente a quilômetros de distância, em vez de reconstruí-la. Porém, após a publicação da história de Barbosa, que contou com os relatos de vários membros da comunidade, o governo municipal chegou para reconstruir a estrutura de madeira. Impacto semelhante veio da reportagem da Amazônia Vox sobre o pré-natal nas comunidades ribeirinhas, que levou a um projeto de lei introduzido na legislatura estadual do Pará para dar prioridade às mulheres dessas comunidades no sistema de saúde do estado. O veículo independente, com sede em Belém, nasceu com a intenção de aumentar a representação de vozes locais e marginalizadas nas reportagens sobre a Amazônia. Em seu site, a Amazônia Vox opera um banco de fontes da Amazônia, listando as informações de contato de centenas de especialistas e líderes comunitários na Amazônia para outros jornalistas utilizarem como fontes. Daniel Nardin, fundador do Amazonia Vox, disse que a intenção é “gerar conexão e fomentar a maior participação das vozes locais nas narrativas que são produzidas sobre a nossa região”. Mas os jornalistas dizem que estabelecer fontes entre as populações locais requer mais do que apenas ter suas informações de contato. Muitas vezes é preciso tempo e cuidado para que se desenvolvam essas relações com pessoas marginalizadas, pois muitas delas não tiveram experiências positivas com a mídia. “Me incomodava muito fazer reportagens e ouvir das pessoas--elas me falavam assim: ‘Mas você vai escrever realmente o que eu tô falando? Porque o último jornalista que veio aqui, ele colocou um monte de coisa na matéria que eu não disse’”, afirma Barbosa. Superar essa desconfiança exige uma abordagem cuidadosa, o que inclui pedir permissão explícita para entrar nas comunidades e explicar às pessoas exatamente qual é o propósito da reportagem. “É preciso sempre ser transparente sobre suas as intenções, qual o objetivo da reportagem dela e o que pode acontecer de benefício,” disse Farias. Às vezes, isso requer cultivar relacionamentos por meses antes que uma entrevista gravada realmente ocorra, como quando Farias conversou com uma comunidade no Vale do Javari por quase um ano antes de viajar para o território para fazer uma reportagem. Isso também significa entender que muitas pessoas têm uma experiência muito limitada de lidar com a mídia e podem até falar uma língua ou dialeto diferente. Barbosa disse que algumas de suas fontes não são alfabetizadas. “Quando eu faço reportagem com pessoas que não sabem, que eu sei que elas leem pouco, ou que elas não sabem ler, eu gravo, eu leio a reportagem que eu escrevi em áudio e envio a elas por WhatsApp”. Os repórteres também devem ser pacientes com pessoas que podem ter apenas tempo limitado em que têm acesso à internet ou uma pausa no seu trabalho para falar com um jornalista. “Se você chega em um território ou fala com uma pessoa de uma cultura tradicional, primeiro em um lugar você tem que ter um respeito de realmente ser sensível à realidade dessa pessoa”, disse Ambrósio. Essa paciência por parte dos repórteres vale a pena, dizem eles, não apenas porque construir relacionamentos com comunidades marginalizadas lhes dá informações valiosas e exclusivas sobre as crises mais importantes que ocorrem na Amazônia, mas também, por incluir as diferentes formas de conhecimento e formas de ver o mundo que essas fontes possuem. Esse fator é fundamental para a missão e responsabilidade de um jornalista: entender uma questão de todas as perspectivas. Isso é especialmente verdadeiro na Amazônia, onde especialistas e defensores do meio ambiente dizem que as formas não-ocidentais de entender e tratar a floresta são fundamentais para a preservação da região. “A gente valoriza o saber das populações amazônicas”, disse Farias. “Ou seja, o saber da ciência não ocidental, da ciência indígena, da filosofia indígena. Esses intelectuais locais têm conhecimento e autoridade para falar sobre várias questões de nosso tempo, mas muitas vezes são menosprezados”.

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Como os jornalistas independentes estão investigando a destruição da Amazônia com a ajuda de novos informantes

8 de dezembro de 2024

Na batalha para salvar a Floresta Amazônica, os jornalistas estão expandindo sua lista de contatos. Encontrar, conhecer e ganhar a confiança de pessoas importantes dentro de questões importantes, e que possam dar informações importantes é o trabalho de repórteres em todos os lugares. Mas nos últimos anos, os jornalistas da Amazônia e os veículos independentes para os quais escrevem têm repensado quem são essas pessoas, onde podem ser encontradas e como devem ser as relações com elas. Esses jornalistas argumentam que as reportagens tradicionais sobre a Amazônia se baseiam demais nas vozes do governo e empresários, além de especialistas de fora da região, e que as perspectivas das comunidades marginalizadas que protegem grande parte da floresta - incluindo povos indígenas, comunidades ribeirinhas e quilombolas - são completamente negligenciadas. Ainda de acordo com os profissionais, essa lacuna nas redes de fontes de repórteres leva a mídia a retratar a região e seus grupos marginalizados de maneiras imprecisas e estereotipadas, bem como a ignorar os problemas mais graves enfrentados pela região e seu povo. Os meios de comunicação independentes que surgiram na Amazônia na última década procuram expandir suas redes de fontes além dos centros de poder, para construir relacionamentos com comunidades marginalizadas, permitindo que seus jornalistas revelem abusos e irregularidades não relatadas de direitos humanos e, ao fazê-lo, ajudam a trazer mudanças. “Fazemos jornalismo”, disse Elaíze Farias, cofundadora da Amazônia Real, uma pioneira entre essas agências independentes. “O nosso principal objetivo é falar do mesmo assunto de uma outra forma, ouvindo todas aquelas pessoas que muitas vezes não eram ouvidas para nada sobre assuntos que lhes atingia.” Essas agências de notícias desenvolveram uma ampla rede de relacionamentos estreitos com comunidades que estão na linha de frente da batalha para preservar a Amazônia, permitindo que seus jornalistas tenham acesso exclusivo a algumas das pautas mais críticas da região, incluindo pautas sobre destruição ambiental, abusos de direitos humanos e corrupção. Quando essas comunidades sofrem uma invasão de terras, emergência climática ou encontram uma balsa garimpeira em seu rio local, por exemplo, os repórteres são alguns dos primeiros a descobrir. “As pessoas dentro das próprias aldeias indígenas, sas comunidades ribeirinhas, elas me enviam essas denúncias”, disse Nicoly Ambrosio, repórter da Amazônia Real, afirmando que permanece em contato constante com essas comunidades mesmo quando não está trabalhando em uma reportagem relacionada. “Falando e fazendo matérias sobre esses assuntos, a gente cria meio que uma relação.” A ausência de uma plataforma para muitas dessas comunidades expressarem suas demandas, somada a ausência do governo em muitas áreas, faz com que os repórteres ocupem um papel crítico no compartilhamento dessas pautas com o mundo. Em muitos casos, as reportagens pressionam ativamente as autoridades para resolver uma crise com a qual pouco tinham ideia do que estava acontecendo ou sequer demonstravam se importar. Esse foi o caso da reportagem de Catarina Barbosa sobre uma comunidade em Anapu, no Pará, cuja escola foi incendiada por invasores de terra. O governo originalmente fez com que as crianças da comunidade frequentassem uma escola diferente a quilômetros de distância, em vez de reconstruí-la. Porém, após a publicação da história de Barbosa, que contou com os relatos de vários membros da comunidade, o governo municipal chegou para reconstruir a estrutura de madeira. Impacto semelhante veio da reportagem da Amazônia Vox sobre o pré-natal nas comunidades ribeirinhas, que levou a um projeto de lei introduzido na legislatura estadual do Pará para dar prioridade às mulheres dessas comunidades no sistema de saúde do estado. O veículo independente, com sede em Belém, nasceu com a intenção de aumentar a representação de vozes locais e marginalizadas nas reportagens sobre a Amazônia. Em seu site, a Amazônia Vox opera um banco de fontes da Amazônia, listando as informações de contato de centenas de especialistas e líderes comunitários na Amazônia para outros jornalistas utilizarem como fontes. Daniel Nardin, fundador do Amazonia Vox, disse que a intenção é “gerar conexão e fomentar a maior participação das vozes locais nas narrativas que são produzidas sobre a nossa região”. Mas os jornalistas dizem que estabelecer fontes entre as populações locais requer mais do que apenas ter suas informações de contato. Muitas vezes é preciso tempo e cuidado para que se desenvolvam essas relações com pessoas marginalizadas, pois muitas delas não tiveram experiências positivas com a mídia. “Me incomodava muito fazer reportagens e ouvir das pessoas--elas me falavam assim: ‘Mas você vai escrever realmente o que eu tô falando? Porque o último jornalista que veio aqui, ele colocou um monte de coisa na matéria que eu não disse’”, afirma Barbosa. Superar essa desconfiança exige uma abordagem cuidadosa, o que inclui pedir permissão explícita para entrar nas comunidades e explicar às pessoas exatamente qual é o propósito da reportagem. “É preciso sempre ser transparente sobre suas as intenções, qual o objetivo da reportagem dela e o que pode acontecer de benefício,” disse Farias. Às vezes, isso requer cultivar relacionamentos por meses antes que uma entrevista gravada realmente ocorra, como quando Farias conversou com uma comunidade no Vale do Javari por quase um ano antes de viajar para o território para fazer uma reportagem. Isso também significa entender que muitas pessoas têm uma experiência muito limitada de lidar com a mídia e podem até falar uma língua ou dialeto diferente. Barbosa disse que algumas de suas fontes não são alfabetizadas. “Quando eu faço reportagem com pessoas que não sabem, que eu sei que elas leem pouco, ou que elas não sabem ler, eu gravo, eu leio a reportagem que eu escrevi em áudio e envio a elas por WhatsApp”. Os repórteres também devem ser pacientes com pessoas que podem ter apenas tempo limitado em que têm acesso à internet ou uma pausa no seu trabalho para falar com um jornalista. “Se você chega em um território ou fala com uma pessoa de uma cultura tradicional, primeiro em um lugar você tem que ter um respeito de realmente ser sensível à realidade dessa pessoa”, disse Ambrósio. Essa paciência por parte dos repórteres vale a pena, dizem eles, não apenas porque construir relacionamentos com comunidades marginalizadas lhes dá informações valiosas e exclusivas sobre as crises mais importantes que ocorrem na Amazônia, mas também, por incluir as diferentes formas de conhecimento e formas de ver o mundo que essas fontes possuem. Esse fator é fundamental para a missão e responsabilidade de um jornalista: entender uma questão de todas as perspectivas. Isso é especialmente verdadeiro na Amazônia, onde especialistas e defensores do meio ambiente dizem que as formas não-ocidentais de entender e tratar a floresta são fundamentais para a preservação da região. “A gente valoriza o saber das populações amazônicas”, disse Farias. “Ou seja, o saber da ciência não ocidental, da ciência indígena, da filosofia indígena. Esses intelectuais locais têm conhecimento e autoridade para falar sobre várias questões de nosso tempo, mas muitas vezes são menosprezados”.

How independent journalists are investigating the Amazon’s destruction with the help of new informants

December 8, 2024

In the battle to save the Amazon Rainforest, journalists are expanding their address book. Finding, meeting,and earning the trust of important people inside important issues who can give important information is the job of reporters everywhere. But in recent years, journalists in the Amazon and the independent news outlets they write for have been rethinking who those important people are, where they can be found and what the relationships with them should look like. These journalists argue that traditional reporting about the Amazon has relied too heavily on the voices of government officials and influential corporations and that the perspectives of the marginalized communities protecting much of the forest, including Indigenous people, river communities and quilombos (settlements historically established by runaway slaves), have been completely neglected. They argue that this gap in reporters’ source networks leads the news media to portray the region and its marginalized groups in inaccurate and stereotypical ways and to ignore the gravest problems facing the region and its people. The independent news outlets that have arisen in the Amazon over the last decade have sought to expand their source networks beyond centers of power to build relationships with marginalized communities, enabling their journalists to reveal unreported human rights abuses and wrongdoing and in doing so, help bring about change. “We do journalism,” said Elaíze Farias, co-founder of Amazônia Real, a pioneer among these independent news outlets. “Our main goal is to talk about the same subject in a different way, listening to all those people who often were not heard at all about issues that affected them,” said. These news outlets have developed an expansive network of close relationships with communities who are on the front lines of the battle to preserve the Amazon, giving their journalists exclusive access to some of the region’s most critical stories, including stories of environmental destruction, human rights abuses and corruption. When these communities suffer a land invasion or climate emergency or find a gold mining raft in their local river, for example, the reporters are some of the first to find out. “The people within the Indigenous villages, the riverside communities, they send me these tips,” said Nicoly Ambrioso, a reporter at Amazônia Real, who said she stays in constant contact with these communities even when she’s not working on a related story. “Speaking with them and writing stories about these topics, we end up creating somewhat of a relationship.” Given the absence of a platform for many of these communities to voice their demands and the lack of government presence in many areas of the Amazon, reporters occupy a critical role in sharing these stories with the world. In many cases, the articles actively put pressure on the authorities to solve a crisis they had little idea was happening or cared little about. That was the case in Catarina Barbosa’s story about a community in Anapu, Pará where a school was burned down by land invaders. The government originally had the community’s kids attend a different school miles away instead of rebuilding it, but soon after the publication of Barbosa’s story, which relied on the accounts of several members of the community, the municipal government arrived to rebuild the one-room wood structure. Tangible impact also came from Amazônia Vox’s reporting about prenatal care in river communities, which led to a bill introduced in the state legislature of Pará to give priority to women from these communities in the state’s health system. The independent outlet, based in Belém, was born with the intention of increasing the representation of local and marginalized voices in reporting about the Amazon. On its website, Amazonia Vox operates an Amazonian source bank, listing the contact information of hundreds of experts and community leaders in the Amazon for other journalists to draw upon as sources. Daniel Nardin, founder of Amazonia Vox, said the intention is to “generate connection and encourage greater participation of local voices in the narratives that are produced about our region.” But journalists say that building sources among local populations requires more than just having their contact information. It often takes time and care for journalists to develop these relationships with marginalized people, many of whom haven’t had positive experiences with the media. “It really bothered me to be reporting a story and hear people say to me, ‘But are you really going to write what I’m saying? Because the last journalist who came here, he put a lot of things in the article that I didn’t say,’” said Barbosa. To overcome such mistrust demands taking a careful approach that includes asking for explicit permission to enter communities and explaining to people exactly what the purpose of the reporting is. “You must always be transparent about your intentions, the objective of your reporting and what benefits can come from it,” Farias said. Sometimes it means cultivating relationships for months before an on-the-record interview actually occurs, like when Farias spoke with a community in the Javari Valley for almost a year prior to traveling to the territory to report a story. It also means understanding that many people have very limited experience of dealing with the media and might even speak a different language or dialect, Farias said, adding that journalists have to be sensitive and understanding of those challenges. Barbosa said some of her sources are not literate. “When I am reporting with people who I know they read little, or that they don't know how to read, I record and read the article in audio and send it to them via WhatsApp,” she said. Reporters also must be patient with people who might only have limited windows in which they have access to internet or time away from their work to speak to a journalist. “If you arrive in a territory or speak to a person from a traditional culture, you first have to have the respect of really being sensitive to that person's reality,” Ambrioso said. This patience on the part of reporters is worth it, they say, not only because building relationships with marginalized communities gives them valuable and exclusive information about the most important crises occurring in the Amazon. But also, including the different forms of knowledge and ways of seeing the world that these sources have is fundamental to a journalist’s mission and responsibility of understanding an issue from all perspectives. This is especially true in the Amazon, where experts and environmental advocates say non-Western ways of understanding and treating the forest are critical to the region’s preservation. “We value the knowledge of the Amazonian populations,” said Farias. “That is, the knowledge of non-Western science, indigenous science, indigenous philosophy. These local intellectuals have the knowledge and authority to speak on various issues of our time, but they are often overlooked.”

Interview: Why Elaíze Farias believes journalists must not conform to injustice

December 6, 2024

Over a decade ago, journalists Elaíze Farias and Kátia Brasil had an idea: a new investigative journalism agency with true editorial independence that focused on human rights and marginalized communities in the Amazon Rainforest. Today, with several similar news agencies operating in the Amazon and the nonprofit journalism model taking hold around the world, such a concept may not seem so bold. But back then, there were few if any examples to follow – particularly in the Amazon, where journalism is almost exclusively funded by corporations and politicians who exert influence over coverage. Based in Manaus, the capital of Amazonas, Farias and Brasil launched their vision in 2013 under the brand Amazônia Real, publishing several in-depth investigations that helped them secure sustainable philanthropic funding. In recent years, other independent outlets in the Amazon have followed Farias and Brasil’s example, but Amazônia Real remains the leading source of combative reporting that holds power to account and exposes human rights abuses across the Amazon rainforest. It has published exclusive and transformative reporting on violence against indigenous peoples, illegal deforestation and land invasions, and corruption and wrongdoing by public officials. Its workshops, trainings, and internships have also helped launch the careers of many of the Amazon’s most successful human rights journalists today. Last month, I spoke with Farias for nearly two hours about the ideas, intentions, and strategies behind Amazônia Real and what she’s learned over the past 11 years. You can read a (significantly) abbreviated version of our conversation here. Note: This conversation has been edited for brevity and clarity. You and Kátia Brasil were reporters for traditional publications before starting Amazônia Real. What sets Amazônia Real apart from these publications and how would you describe the type of work Amazônia Real does? We do journalism. For the sake of understanding, when people ask us, we usually say that we do socio-environmental journalism, or just independent and investigative journalism. Generally, because we are in the Amazon, people automatically associate us with environmental journalism, which is a very restrictive and confined description. That is not the case for us. We revised many Western and ethnocentric concepts, with colonial roots, that journalism reproduced. Our main goal is to talk about the same subject in a different way, listening to all those people who often were not heard at all about issues that affected them. The search to change the way we do journalism involves first decolonizing the way we produce and publish information that becomes news. It involves radical changes in the way we investigate. This makes a big difference. Corporate journalism, journalism that aims to generate profit, does not allow for this. At some point there will be a barrier. Because it is also interfering with the interests of another group, usually powerful economic groups, the interests of politicians. In fact, in all cities in the Amazon region, there are journalism initiatives that become hostages to the government, city hall, some politician. They are the ones who provide financing - you have to do this. And at Amazônia Real we brought freedom. We do not allow our financiers, who are usually philanthropic organizations, to interfere in our reporting. Many people discredit this type of journalism that seeks to center marginalized people by calling it “activism.” How do you see the difference between activism and your journalism, and do you think the division is necessary to maintain? I don’t like the word “activism” to explain the journalism we do. I’m not against those who do activism, on the contrary. But we deal with facts. We investigate and tell stories in our reporting. We listen to all sides, naturally. Although in our reporting the main characters, the subjects of our stories, are the social groups that are usually erased in the big agendas of the corporate media or that do not hold the economic power of the big interests that try to interfere in decision-making. With our journalism, we mobilize social groups, and it’s true, we mobilize citizens to generate change. But we do this with our work. When we hear of a fact, of a situation, we dig deeper to find out if it’s true. That’s why there is investigation, that’s why there is fact-checking, you dig deeper and show what’s going on. So that’s what journalism is. Many people try to belittle this journalism by saying that it is activism, as if this practice were also inferior. I am a journalist who likes to listen to and tell stories. We need to humanize and tell the version of those who do not appear in any official data, in any institutional record, often. That is why these people are often erased. I know of several stories like this, forgotten, as if they never existed. There are even cases in which official data, all those documents, tells lies and commits serious injustice. I am a journalist who will always not conform with injustice. Personally, and it could not be otherwise, I have social values ​​of defending human rights and democracy. And that could be called activism, although I prefer the word “militancy”, which has become very stigmatized in recent times. Many times, due to this position, my work merges with my professional trajectory. This is not a choice that I didn’t make all of a sudden. It is a long-standing one, since the time I was in college, or in social movements, and it has accompanied me throughout these long years of my career. I will not side [with] agribusiness or groups that attack human rights. Nor will I be a spokesperson for mining companies who are only looking for profit or for companies that present market solutions to pretend they are saving the planet, when in fact they are causing destruction and collapse. One of the biggest challenges that all media outlets face today, but especially independent media outlets, is maintaining an audience. Who reads Amazônia Real and how do you measure its impact? We want to be read by all audiences. We don't choose segments, as we are often asked. The Amazônia Real website receives millions of views per year. We would like to be read more in the Amazon. This is also our challenge. Sometimes we are read much more in São Paulo. But depending on the subject, our reports are widely read in the Amazon region. This leads me to several reflections. We need to realize that not all places in the Amazon have access to the internet. We have a brutal digital inequality. There are cities where access does not exist or works poorly. How will the population read our reporting? Regardless of barriers like this, our goal is to bring about change. What is this change? A regular reader who is reading about a story will understand what is happening. They will be better informed. Or a change in a decision-maker. Public institutions like the Federal Public Prosecutor's Office, for example, filing a legal action regarding the situation we revealed in our reporting. It could also be simple visibility, taking that group out of the silence. You arrive at an Indigenous land for the first time and the person says, 'look, this is the first time a reporting team has come here.' So I think there are several indicators, and the indicator cannot be measured only with metrics or other numerical engagements. You’ve emphasized that the funding of Amazônia Real does not affect its editorial independence. How is Amazônia Real funded and how does it protect itself from the influence of these funding sources? After a year [of existence], we began receiving funds from the Ford Foundation, which is our main source of funding to this day. I hope it continues, but we know it is an ongoing challenge to maintain sustainability because the demands are imense. Philanthropic funds come and go. We have partnered with large and small funding sources. The small ones are usually for specific coverage, such as elections, droughts, etc. And for specific periods. We give up many possibilities because we know that it makes no sense to receive funding, for example, from companies that are violating human and territorial rights of local populations. Or that are practicing greenwashing to captivate and deceive society using the media. Or from politicians or government agencies. If we accepted, we would be hostages to the pressure of those who finance us. We have never been influenced or interfered with by any of the institutions that support us. We are adamant about this position. And we are very transparent, so much so that all of our sources of funding appear on the Amazônia Real website. But we would like to vary our financial supporters. One practice that we would like to see work is donations from readers. Donations are not yet common in Brazil, but we hope that this will change. We have just started a financing campaign towards readers, asking for donations for coverage of COP30, to expand our reporting on the climate crisis and also to have resources so we can combat harassment and lawsuits. We also believe it is important to have resources to ensure the safety of our team during our reporting, especially high-risk reporting. We have created a safety protocol for reporters, which includes protecting them during their work. What tips do you have for interacting with sources, particularly indigenous groups and other marginalized communities who may not have much experience with the media? First of all, it is necessary to be genuinely committed to the population or social group you want to engage with. It is important to have allies in these communities, to gain their trust and to understand their ideas and language. You must always be transparent about your intentions, the objective of your reporting and what benefits can come from it. Don't go for vanity, likes or awards, and don't try to impose your planning and schedule without first hearing from the local populations. We must build relationships before attempting to make initial contact. We will not always be welcomed with open arms. To avoid being mistrusted, we must work on ongoing connection. We also need to learn how to work. That vision of the adventurous journalist, thinking he is exploring a “lost time of the past”, full of Western imagery, of arriving unannounced, does not work; it is outdated. And it is even disrespectful. Another thing is that we cannot enter and leave having heard from only one voice talking about that community or that subject that we are investigating. Let alone one official voice, or a Western voice, the ‘expert on that subject’. It is important to give space to sources that are often excluded in reporting, whether reporting in the field or remotely. One of the guidelines we always give to reporters: talk to women. Try to talk to women in that community. Don’t just include men. Have a critical eye, study, research, be humble and remember that we are always learning. We are not experts in anything. Avoid the common perceptions about the Amazon. Do you want to talk about the Amazon and its populations? Study the history of the region. Learn how it fits into Brazilian historiography. You will understand why the Amazon is a territory in permanent dispute and confirm that the colonizing model of the past is updated, with new practices of colonization, exploitation, conflicts and inequality. Looking back at the 11 years of Amazônia Real, what has changed? What are some moments that stand out for you? When Amazônia Real started in 2013, we already started our journalism project in a professional way. We opened a CNPJ, a micro-company – later we created an association. We did “drawer” reports, with more timeless approaches, we called columnists who were our allies. At the beginning we had voluntary support from a network of friends. We were just journalists, we came from newsrooms. We had no experience in entrepreneurship. We never intended to make a profit or become rich. This is not possible in the journalism we wanted to do. But we knew at that moment that we were doing something new, pioneering. We just didn't have much idea of ​​the scale of this new thing. Naturally, according to the journalistic principles we defined at that time, we did not have external financial resources. The first decision was not to receive public money. Everything we did was with our personal finances. We tried getting resources from advertising. We weren’t able to. Later, we obtained philanthropic financing, which is our main source of sustainability, but it is worth highlighting that even in this aspect we are also careful. I'm here summarizing this period of just over a decade. At that very early stage, in December 2013, we did some very remarkable work, Kátia and I, which was coverage of the attack of an entire population, practically, of a city called Humaitá, in the south of Amazonas, on the Tratarim indigenous people. The coverage of this case was prejudiced, which stigmatized indigenous people. It involved the suspected deaths of three non-Indigenous men. But no one listened to the Tratarim. So we listened, and that was a great moment in our coverage, which had significant repercussions. We did interviews over the phone, we called the village pay phone. Kátia and I spent Christmas and New Year’s 2013 working. In the following years, we covered a huge range of topics. Since the beginning, we have been reporting on mining in the Yanomami Indigenous Land. This has never been a new topic for us. Reporting on death threats to human rights defenders, isolated indigenous peoples, impacts of mining and agribusiness, deforestation, fires, gender-based violence, etc. The Covid-19 pandemic came and we had to make some changes to our planning and our schedule. We started writing articles almost daily. And, at a time when social groups such as indigenous people and quilombolas were completely erased in the media. It was intense coverage. The difference is that we couldn't leave the house, access to communities was closed, and part of our team had to dedicate themselves to care, because we lived in a city that was one of the global epicenters of the pandemic, which was Manaus. Over the years, we have held events, exhibitions, lectures, workshops for indigenous communicators, and encouraged other colleagues to create similar initiatives. We’ve received a lot of recognition, with awards and honors. Personally, I'm really happy when an indigenous person or a woman from a river community comes to me and says: “that reporting you did helped to show our struggle.” Amazônia Real turned 11 years old in October 2024. It's been 11 years showing that it is possible to take a stance in favor of erased, stigmatized or silenced Amazonian populations, and this also allowed us to break paradigms of colonial journalism. An immense longevity, which I could never have imagined.

Entrevista: Por que Elaíze Farias acredita que os jornalistas não devem se conformar com a injustiça

6 de dezembro de 2024

Há mais de dez anos, as jornalistas Elaíze Farias e Kátia Brasil tiveram uma ideia: fundar uma agência de jornalismo investigativo com verdadeira independência editorial na Amazônia, focada nos direitos humanos e territoriais e nas comunidades marginalizadas da região. Hoje, com várias agências de notícias semelhantes operando na Amazônia e o modelo de jornalismo sem fins lucrativos se consolidando em todo o mundo, tal conceito pode não parecer tão ousado. Mas naquela época, havia poucos ou nenhum exemplo a seguir - particularmente na Amazônia, onde o jornalismo é quase exclusivamente financiado por corporações e políticos que exercem influência sobre a cobertura. Com sede em Manaus, capital do Amazonas, Farias e Brasil lançaram sua visão em 2013 sob a marca Amazônia Real, publicando várias investigações aprofundadas, ajudando-as a garantir financiamento filantrópico sustentável. A agência ajudou também a formar novas gerações de jornalistas, muitos deles hoje atuando em outras mídias independentes. Nos últimos anos, outros veículos independentes na Amazônia surgiram seguindo seu exemplo, mas a Amazônia Real continua sendo a principal fonte de reportagens combativas que responsabilizam o poder e revelam abusos de direitos humanos em toda a Floresta Amazônica. Publicou reportagens exclusivas e transformadoras sobre violência contra povos indígenas, desmatamento ilegal e invasões de terras, e corrupção e irregularidades por parte de funcionários públicos. Suas oficinas, treinamentos e estágios também ajudaram a lançar as carreiras de muitos dos jornalistas de direitos humanos mais bem-sucedidos da Amazônia atualmente. No mês passado, conversei com Farias por quase duas horas sobre as ideias, intenções e estratégias por trás da Amazônia Real e o que ela aprendeu nos últimos 11 anos. Você pode ler uma versão (significativamente) abreviada da nossa conversa aqui. Nota: Esta conversa foi editada para maior concisão e clareza. Você e Kátia Brasil eram repórteres em publicações tradicionais antes de iniciar a Amazônia Real. O que distingue a Amazônia Real dessas publicações e como você descreveria o tipo de trabalho que a Amazônia Real faz? Fazemos jornalismo. Para efeito de compreensão, quando nos perguntam, normalmente falamos que fazemos jornalismo socioambiental, ou apenas jornalismo independente e investigativo. Geralmente, por estarmos na Amazônia, nos associam automaticamente a jornalismo ambiental, que é uma descrição muito restritiva e segmentada. Não é nosso caso. A gente revisou muitos conceitos ocidentais e etnocêntricos, de raiz colonial que o jornalismo reproduzia. O nosso principal objetivo é falar do mesmo assunto de uma outra forma, ouvindo todas aquelas pessoas que muitas vezes não eram ouvidas para nada sobre assuntos que lhes atingia. A busca por mudar a forma de fazer jornalismo passa primeiramente pela descolonização da forma de produzir e publicar as informações que viram notícias. Passa por mudanças radicais na forma de apurar. Isso faz muita diferença. O jornalismo corporativo, o jornalismo que visa o lucro, não tem esse espaço. Em algum momento vai ter uma barreira. Porque também está mexendo com os interesses de outro grupo, geralmente dos poderosos grupos econômicos, interesses de políticos. Realmente, em todas as cidades da região Norte, o governo, prefeitura, algum político, há iniciativas de jornalismo que viram reféns deles, eles financiam - você tem que fazer isso. E na Amazônia Real a gente trouxe essa liberdade. A gente não permite que os financiadores, que geralmente são da filantropia, interfiram em nossas reportagens. Muitas pessoas tentam desacreditar esse tipo de jornalismo que busca centralizar pessoas marginalizadas chamando-o de “ativismo”. Como você vê a diferença entre ativismo e seu jornalismo e você acha que a divisão é necessária para manter? Não gosto da palavra “ativismo” para explicar o jornalismo que fazemos. Não sou contra quem faz ativismo, pelo contrário. Mas a gente lida com fatos. Apuramos e contamos as histórias em nossas reportagens. Ouvimos todos os lados, naturalmente. Embora em nossas reportagens os principais personagens, os sujeitos de nossas histórias, são os grupos sociais que geralmente são apagados nas grandes pautas da mídia corporativa ou que não detêm o poder econômico dos grandes interesses que tentam interferir nas tomadas de decisão. Com o nosso jornalismo, a gente mobiliza o grupo social, e é verdade, mobiliza o cidadão para gerar mudança. Mas fazemos isso com o nosso trabalho. Sabemos de um fato, de uma situação, vamos atrás para saber o que é. É por isso que existe apuração, é por isso que existe investigação, você vai atrás e vai mostrar. Então é isso que é o jornalismo. Muita gente tenta menosprezar esse jornalismo dizendo que é ativismo, como se essa prática também fosse inferior. Sou uma jornalista que gosta de ouvir e contar histórias. Precisamos humanizar e contar a versão de quem não aparece em dado oficial algum. Em nenhum registro institucional, muitas vezes. Por isso são apagados. Conheço várias histórias assim, esquecidas, como se elas nunca tivessem existido. Há casos até em que os dados oficiais, aquela papelada toda de documentos, contam mentiras e comentem grave injustiça. Sou uma jornalista eternamente inconformista com injustiça. Pessoalmente, e nem poderia ser diferente, tenho valores sociais de defesa de direitos humanos e da democracia. E que poderia ser chamado de ativismo, embora eu prefira a palavra “militância”, que ficou muito estigmatizada nos últimos tempos. Muitas vezes, por esse posicionamento, essa atuação mescla com minha trajetória profissional. Essa é uma escolha que não vem de agora. É de longa data, desde a época que eu estava na faculdade, ou nos movimentos sociais, e me acompanha durante esses longos anos de profissão. Eu não vou me colocar [ao lado do] agronegócio ou de grupos que atacam os direitos humanos. Nem ser porta-voz de minerador que está visando apenas o lucro, o capitalismo, por exemplo, ou de empresas que apresentam solução de mercado para fingir que estão salvando o planeta, quando na verdade estão causando destruição e colapso. Um dos maiores desafios que todos os veículos enfrentam hoje, mas especialmente os veículos independentes, é manter a audiência. Quem lê a Amazônia Real e como você mede seu impacto? Queremos ser lidos por todos os públicos. Não escolhemos segmentos, como muitas vezes nos perguntam. O site da Amazônia Real tem milhões de acesso por ano. A gente gostaria de ser mais lida na Amazônia. Essa é a nossa dificuldade também. Às vezes a gente é muito mais lida em São Paulo. Mas dependendo do assunto, as nossas reportagens são muito lidas na região Norte. Isso me leva a várias reflexões. É preciso se dar conta que nem todos os lugares da Amazônia têm acesso à internet. Temos uma desigualdade digital brutal. Há cidades onde o acesso à internet não existe ou funciona precariamente. Como a população vai ler nossas reportagens? Independente de barreiras como essa, nosso propósito é provocar mudança. O que é essa mudança? Um leitor comum, que está lendo sobre uma história, ele vai entender o que acontece. Ele vai se informar melhor. Ou mudança no tomador de decisão. Instituições públicas como o Ministério Público Federal, por exemplo, entrando com uma ação judicial sobre aquele caso que a gente mostrou na nossa reportagem. Pode ser também uma simples visibilidade, tirar aquele grupo do silenciamento. Você chegar numa terra indígena pela primeira vez e a pessoa dizer, ‘olha, é a primeira vez que uma equipe de jornalismo vem aqui.’ Então eu acho que existem vários indicadores, e o indicador não pode ser medido apenas com métricas ou outros engajamentos numéricos. Você enfatizou que o financiamento da Amazônia Real não afeta sua independência editorial. Como a Amazônia Real é financiada e como ela se protege da influência dessas fontes de financiamento? Depois de um ano [de existência], a gente começou a receber fundos da Fundação Ford, que é o nosso principal financiador até hoje. Espero que continue, mas sabemos que é um desafio permanente manter a sustentabilidade porque as demandas são imensas. Fundos de filantropia vêm e vão. A gente tem feito parceria com grandes financiamentos e pequenos financiamentos. Os pequenos geralmente são para coberturas específicas, como eleições, secas extremas, etc. E com períodos determinados. A gente abre mão de muitas possibilidades porque sabe que não tem nenhuma coerência receber financiamento, por exemplo, de empresas que estão violando direitos humanos e territoriais nas populações locais. Ou que estão praticando greenwashing para cativar e iludir a sociedade usando os veículos de mídia. Ou de políticos ou de agências governamentais. Se aceitássemos, seríamos reféns da pressão de que quem financia. A gente nunca foi influenciada ou tivemos interferência por nenhuma das instituições que nos apoia. Somos irredutíveis nessa posição. E somos muitos transparentes, tanto que todos os nossos financiadores aparecem no site da Amazônia Real. Mas gostaríamos de variar os fundos de financiamento. Uma prática que gostaríamos que desse certo é a doação dos leitores. Ainda não é comum a doação no Brasil, mas temos esperança que isso mude. Acabamos de iniciar uma campanha de financiamento de leitores, pedindo doação para cobertura da COP30, para ampliarmos nossas reportagens sobre a crise climática e também para termos recursos para enfrentar assédios e processos judiciais. Também achamos importante termos recursos para a segurança da nossa equipe em nossas reportagens, sobretudo as de alto risco. A gente criou um protocolo de segurança para os repórteres, que inclui a proteção deles em seu trabalho. Que dicas você tem para interagir com fontes, particularmente grupos indígenas e outras comunidades marginalizadas, que podem não ter muita experiência com a mídia? Antes de tudo, é estar genuinamente comprometido com a população ou o grupo social que você quer dialogar. É importante que você tenha aliados nestas comunidades, conquistar a confiança deles. Compreender as suas ideias e linguagens. É preciso sempre ser transparente sobre suas as intenções, qual o objetivo da reportagem e o que pode acontecer de benefício. Não ir por vaidade, por likes ou pensando em premiações, e nem querer impor seu planejamento e cronograma sem ouvir as populações locais antes. Devemos construir relacionamentos antes de tentarmos um primeiro contato. Nem sempre vamos ser recebidos de braços abertos. Para não sermos alvo de desconfiança, devemos fazer um trabalho permanente de conexão. Precisamos aprender a ter método de trabalho também. Aquela visão do jornalista aventureiro, achando que está explorando um “tempo perdido do passado”, cheio de imaginário ocidental, de chegar sem avisar, não funciona, isso está ultrapassado. E é até desrespeitoso. Outra coisa é que a gente não pode entrar e sair com uma única voz falando sobre aquela comunidade ou aquele assunto que você está investigando. Muito menos apenas uma voz oficial, ou uma voz ocidental, o ‘especialista em tal assunto’. É importante dar espaço para fontes que muitas vezes são excluídas nas reportagens, seja as de campo sejam as feitas remotamente. Uma das orientações que a gente sempre dá para os repórteres: fale com mulheres. Tentem falar com mulher naquela comunidade. Não inclua apenas homens. Ter olhar crítico, estudar, pesquisar, ter humildade e lembrar que estamos sempre aprendendo, não somos especialistas em nada. Fugir do senso comum sobre a Amazônia. Quer falar sobre a Amazônia e suas populações? Estude a história da região. Saiba como ele se insere na historiografia brasileira. Vai perceber por que a Amazônia é um território em permanente disputa e confirmar que o modelo colonizador do passado se atualiza, com novas práticas de colonização, exploração, conflitos e desigualdade. Olhando para os 11 anos da Amazônia Real, o que mudou? Quais são alguns momentos que se destacam para você? Quando a Amazônia Real começou em 2013, já iniciamos nosso projeto de jornalismo de forma profissional. Abrimos CNPJ, micro-empresa – posteriormente criamos uma associação. Fizemos reportagens de “gaveta”, com abordagens mais atemporais, chamamos articulistas que eram nossos aliados. Naquele início contamos com apoio voluntário de uma rede de amigos. Nós éramos apenas jornalistas, vínhamos das redações. Não tínhamos experiência em empreendedorismo. Nunca tivemos pretensão de lucrar ou de ficar ricas. Isso não é possível no jornalismo que queríamos realizar. Mas sabíamos naquele momento que estávamos fazendo algo novo, pioneiro. Apenas não tínhamos muita ideia da dimensão desse algo novo. Naturalmente, pelos princípios jornalísticos que definimos já naquela época, não tínhamos recursos financeiros externos. Primeira decisão foi não receber dinheiro público. Tudo que fazíamos era com nossas finanças pessoais. Tentamos recurso de publicidade. Nunca conseguimos. Posteriormente, conseguimos financiamento de filantropia, que é a nossa principal fonte de sustentabilidade, mas é bom destacar que até nesse aspecto também somos criteriosas. Estou aqui resumindo esse período de pouco mais de uma década. Naquela fase bem inicial, em dezembro de 2013, a gente fez um trabalho muito marcante, eu e Kátia, que foi uma cobertura sobre o ataque de uma população inteira, praticamente, de uma cidade chamada Humaitá, no sul do Amazonas, aos indígenas Tenharim. A cobertura sobre esse caso era uma cobertura preconceituosa, que estigmatizava os indígenas. Envolvia uma suspeita de morte de três homens não indígenas. Mas ninguém ouvia os Tenharim. Então a gente ouviu, e isso foi um grande momento da nossa cobertura, que alcançou muita repercussão. Fazíamos entrevistas por telefone, ligávamos para o orelhão da aldeia. Kátia e eu passamos natal e o ano novo de 2013 trabalhando. Nos anos seguintes, fizemos coberturas gigantescas de vários assuntos. Desde o início, já fazíamos reportagens sobre o garimpo na Terra Indígena Yanomami. Esse nunca foi um assunto novo para nós. Reportagens sobre ameaças de morte a defensores de direitos humanos, sobre povos indígenas isolados, impactos da mineração e do agronegócio, desmatamento, queimadas, violência de gênero, etc. Veio a pandemia da Covid-19 e tivemos que fazer algumas mudanças em nosso planejamento, no nosso cronograma. Passamos a fazer matérias quase que diariamente. E, em um momento no qual grupos sociais como os indígenas e os quilombolas, estavam totalmente apagados na mídia. Foi uma cobertura intensa. Com a diferença é que não podíamos sair de casa, o acesso às comunidades estava fechado, e parte da nossa equipe tinha que se desdobrar nos cuidados, porque vivíamos em uma cidade que era um dos epicentros mundiais da pandemia, que era Manaus. Nesses anos todos, realizamos eventos, exposições, palestras, oficinas para comunicadores indígenas, incentivamos outros colegas a criarem iniciativas semelhantes. Tivemos muitos reconhecimentos, com premiações e homenagens. Eu, particularmente, fico mesmo feliz quando um indígena ou uma mulher ribeirinha vem a mim e diz: ‘aquela reportagem que você fez ajudou a mostrar a nossa luta’. A Amazônia Real completou 11 anos em outubro de 2024. São 11 anos mostrando que é possível ter um posicionamento em favor das populações amazônicas apagadas, estigmatizadas ou silenciadas, e isso também nos permitiu quebrar paradigmas do jornalismo colonial, que defende o distanciamento, a neutralidade. Uma longevidade imensa, que eu nem imaginava.

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About the Project/Sobre o Projeto

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In the fight over the fate of the Amazon Rainforest, journalists have taken a side, arming themselves with the most powerful tool at their disposal: rigorous and accurate reporting. This website will examine the wave of independent and environmental news outlets that have arisen in the Amazon over the last decade, showing the strategies they use, the topics they cover and the impact they have.

Na luta pelo destino da Floresta Amazônica, os jornalistas tomaram partido, armando-se com a ferramenta mais poderosa à sua disposição: reportagens rigorosas e precisas. Este site examinará a onda de jornais independentes e socioambientais que surgiram na Amazônia na última década, mostrando as estratégias que eles usam, os tópicos que cobrem e o impacto que têm.

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