Com os olhos marejados depois de ouvir o inimaginável, a premiada jornalista Catarina Barbosa pediu uma pausa. Os 14 anos de cobertura de abusos de direitos humanos na Amazônia Brasileira não a preparou para o que acabara de ouvir. Visitando um assentamento rural em Anapu, no Pará, para relatar os ataques à comunidade por invasores de terras, ela estava dentro de um barracão conversando com Maria Júlia, uma menina da comunidade com 7 anos de idade, e sua família. A menina estava se gabando para Catarina de que não tinha medo de aranha-caranguejeira, cobra ou mesmo do escuro. Mas uma coisa lhe causa terror: “Os homens maus”, disse ela a Catarina. “Tenho medo deles porque é capaz de eles tocarem fogo nas crianças”. Ouvindo isso, Catarina, que tem seu próprio filho de 8 anos, congelou. "Foi doloroso", disse em entrevista. "Eu disse: ‘preciso de uma pausa’". Semanas antes, invasores incendiaram a escola da comunidade, onde os desenhos da menina um dia foram pendurados na parede. Foi a segunda vez que fizeram isso em um espaço de dois anos. A comunidade, como várias outras em Anapu, é um assentamento, uma designação da reforma agrária brasileira que permite que um lote de terra que não está sendo usado de forma adequada ou produtiva seja destinado aos trabalhadores sem terra. Apesar de seu respaldo legal, esses assentamentos são frequentemente sujeitos a invasões e violência de fazendeiros e pecuaristas. Em Anapu, 29 pessoas foram mortas em conflitos por terra entre 2005 e 2023. “É horrível conceber que uma criança de 7 anos de idade precise conviver com uma situação dessa, com esse tipo de medo”, Catarina me contou, com lágrimas novamente aparecendo em seus olhos. Esse tipo de emoção pode não ser a primeira coisa que vem à mente quando se pensa em um jornalista investigativo intrépido. Mas para Catarina, que é presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), entender a dor de suas fontes não é apenas inevitável, é crucial para suas reportagens. “Há quem diga: o jornalista tem que ser imparcial, e eu te pergunto: como? Só se você não for humano, porque até hoje só de lembrar, o olho enche de lágrima”, disse Catarina. “As pessoas nas entrevistas conseguem perceber que não sou alheia à dor delas. E se não estou alheia – e não sou mesmo, elas podem me contar as coisas. Logo, por mais que eu sofra, que eu fique péssima, isso é fundamental para que eu consiga fazer esse trabalho”. Na entrevista com Maria Júlia e sua família, Catarina levou um minuto para lembrar o propósito da reportagem, antes de retornar rapidamente à entrevista. “Eu trabalho isso na minha terapia. Não é uma dor minha, é uma dor do outro, ainda que eu sofra. Assim, eu foco no que eu posso fazer. E eu posso escrever um bom texto para que todo mundo saiba o que essas crianças estão passando”, disse. “Eu virei um pouco. Sequei umas três lágrimas que estavam ali, respirei e voltei para a entrevista”.