Enquanto veículos de imprensa ao redor do mundo fecham as portas em meio à queda drástica das receitas, o número de veículos independentes na Amazônia está crescendo. Na última década, a região viu a criação de diversos novos veículos sem fins lucrativos dedicados a produzir reportagens sobre a Amazônia sem a influência de políticos e corporações. Mas, embora alguns poucos tenham se tornado organizações jornalísticas com equipes editoriais estáveis, a maioria desses novos veículos mal consegue juntar dinheiro suficiente para sobreviver.Os veículos que se tornaram financeiramente sustentáveis não o fizeram colocando suas reportagens atrás de paywalls, vendendo anúncios, solicitando doações de leitores ou, como fazem os maiores e mais tradicionais meios de comunicação do Brasil, recebendo recursos de governos e empresas em troca de cobertura positiva. Em vez disso, para investigar de maneira aprofundada e corajosa as ameaças à sobrevivência da Amazônia, os veículos independentes da região recorreram a uma fonte de financiamento há muito usada por organizações sem fins lucrativos de outros setores: as organizações filantrópicas internacionais.Foi batendo à porta de organizações com bolsos fundos, especialmente nos EUA ou na Europa, como a Fundação Ford e a Google News Initiative, que esses veículos da Amazônia conseguiram financiar suas reportagens locais aprofundadas sobre a região. Eles se beneficiaram do crescente interesse pela Amazônia entre ambientalistas norte-americanos e europeus, o que motivou ONGs a doar centenas de milhares de dólares para iniciativas de preservação na região — incluindo o jornalismo independente.No entanto, a importância dessa fonte de financiamento também criou um sistema de duas camadas dentro do jornalismo independente na Amazônia. As organizações que conseguiram captar recursos com sucesso geralmente foram fundadas por jornalistas conhecidos, com ampla rede de contatos internacionais e fluência em inglês. Enquanto isso, outros veículos independentes, muitas vezes fundados por jornalistas locais amazônidas que não têm o mesmo alcance internacional, dependem quase exclusivamente de trabalho voluntário e sobrevivem por meio da aplicação a editais pequenos e temporários que financiam projetos pontuais.“A crise do financiamento para o jornalismo é um efeito da nossa sociedade. Então, ela reproduz também, em alguma medida, a estrutura desigual que é colocada nesse país”, disse Daiene Mendes, diretora de programação do Fundo de Apoio ao Jornalismo, uma nova iniciativa para financiar o jornalismo independente no Brasil. “São poucas organizações que recebem a maior parte do recurso, e essas organizações geralmente têm um perfil específico, uma cor específica, uma voz específica, e uma fatia muito pequena dos recursos é compartilhada com todo o restante de numerosas iniciativas”.Sumaúma, talvez o veículo independente da Amazônia com mais jornalistas, foi fundado por Jonathan Watts, jornalista ambiental veterano do The Guardian, e Eliane Brum, natural do Rio Grande do Sul, que se tornou uma das mais reconhecidas repórteres sobre a Amazônia. “Tanto Jonathan quanto a Eliane, eles são jornalistas bem mais conhecidos internacionalmente", disse Verónica Goyzueta, jornalista que ajudou a fundar Sumaúma com Brum e Watts. “Então, eles já tinham bons contatos para conseguir um financiamento inicial”.Em apenas três anos, Sumaúma já arrecadou níveis significativos de financiamento, permitindo a contratação de pelo menos 15 pessoas para a equipe editorial e o financiamento de projetos de reportagem de grande porte. Hoje, o veículo tem até uma pessoa dedicada exclusivamente a identificar oportunidades de financiamento.“Esses processos são difíceis e não são acessíveis também a todas as organizações jornalísticas, porque tem algumas que são muito pequenas, tem algumas que têm dificuldades, por exemplo, de fazer pedidos porque não têm esses contatos que a gente tinha oportunidades de ter”, disse Goyzueta.Outros veículos independentes bem estabelecidos na Amazônia incluem a InfoAmazonia, que tem um orçamento anual de cerca de R$2 milhões, segundo o diretor executivo Stefano Wrobleski.A InfoAmazonia surgiu como um projeto de O Eco, um site ambiental reconhecido no Brasil, antes de se tornar um veículo próprio. “Então a gente já tinha esse lugar e já tinha contatos também. Isso facilitou bastante as coisas”, afirmou Wrobleski.Mas mesmo para os veículos com conexões internacionais, o apoio das ONGs não chega a eliminar os desafios financeiros. Por exemplo, a InfoAmazonia, apesar de receber apoio consistente de várias organizações diferentes, conta com apenas dois repórteres permanentes. Ainda assim, o apoio das ONGs proporciona uma estabilidade que falta a outros veículos independentes da Amazônia. Enquanto a InfoAmazonia e Sumaúma têm fontes de financiamento de longo prazo, muitos veículos menores dependem de editais pontuais que financiam projetos de reportagem específicos.Esses financiamentos temporários, geralmente oferecidos por associações jornalísticas, cobrem os custos para que um jornalista viaje e realize uma reportagem específica. Normalmente valem cerca de US$1.500 (R$8300), valor que sobra pouco após os gastos com viagem — especialmente na Amazônia, onde os custos de deslocamento e de segurança são altíssimos.“Pra você fazer uma boa pauta na Amazônia e pra você ir a campo, para uma comunidade, hoje um valor mínimo de teu salário, de um fotógrafo e mais o deslocamento, vai ser entre R$10.000 e R$15.000 no mínimo”, disse Fábio Pontes, editor do Jornal Varadouro, um pequeno veículo independente com sede no Acre.Além disso, como esses financiamentos são temporários, os veículos que dependem deles precisam estar constantemente buscando novos editais para se inscrever.“Você tem que apresentar uma proposta, vender a pauta. Muitas vezes tem que fazer para organizações fora do Brasil, então tem que fazer em inglês, e muitas vezes é muito burocrático receber dinheiro de fora do Brasil”, disse Pontes. “É muito cansativo, é muito desgastante. Só faz mesmo porque precisa às vezes, porque não tem outra opção”.Pontes trabalha no Varadouro quase exclusivamente sem remuneração, fazendo freelas para se sustentar. Para tornar o Varadouro financeiramente sustentável e conseguir pagar uma equipe fixa de repórteres, ele estima que precisaria de um orçamento de cerca de R$250 mil por ano.Fred Santana, fundador do Vocativo, um pequeno veículo independente de Manaus, enfrenta os mesmos desafios. Ele disse que geralmente consegue cerca de um financiamento temporário por ano, que cobre o custo de um projeto específico de reportagem. Fora isso, o site praticamente não recebe recursos. Santana disse que passa cerca de seis horas por dia trabalhando no site.“Se nada mudar nos próximos meses, eu vou começar a procurar outro emprego fixo, manter o site apenas para voltar a fazê-lo como uma atividade paralela, quando for possível”, disse Santana.O Correio do Lavrado, veículo independente com sede em Boa Vista, sofre da mesma instabilidade, segundo a editora Vanessa Vieira. “A gente tem esses financiamentos muito pontuais para produzir um determinado produto. É uma coisa muito de curto prazo, de quatro meses, seis meses”, disse Vieira. “Pensando numa saúde física, uma saúde mental, de qualidade de vida, é muito complicado, porque já teve momentos assim que eu não sabia como eu ia pagar as contas do próximo mês”.Neste ano, alguns dos principais financiadores do jornalismo independente no Brasil se uniram para formar o Fundo de Apoio ao Jornalismo, com o objetivo de oferecer a mais veículos independentes o acesso à estabilidade financeira. O fundo, apoiado pela Fundação Ford, o Fundo Internacional para Mídia de Interesse Público, Luminate, Oak Foundation e Open Society Foundations, selecionará 15 veículos jornalísticos no Brasil para receber apoio anual entre R$75.000 e R$150.000 durante três anos. A intenção, segundo Mendes, diretora de programação do fundo, é descentralizar o financiamento ao jornalismo independente. O fundo dará prioridade a veículos localizados em desertos de notícias e liderados por pessoas de comunidades marginalizadas.O financiamento transformará imediatamente os veículos que o receberem, e Mendes disse esperar que algum veículo da Amazônia seja escolhido. Mesmo assim, há muito mais de 15 veículos independentes precisando de financiamento no Brasil. “Eu acho que o fundo não é e nem deve ser a única forma de distribuir recursos para as iniciativas. Têm que existir vários outros fundos, várias outras iniciativas”, disse Mendes.Para os veículos que não forem selecionados, há poucas opções. Campanhas que pedem doações de leitores têm pouco sucesso, afirmou Pontes, e, embora o site do Varadouro tenha espaço reservado para publicidade, até agora nenhuma empresa entrou em contato para anunciar.“Eu estou aqui no meu ponto de estar mentalmente exausto, muito cansado”, disse Pontes. “Muitas vezes a gente está sem esperança, porque quando a gente olha ao nosso redor, a gente não tem recursos, então muitas vezes bate o desânimo. Às vezes vem aquela vontade de desistir, porque você não vê retorno do seu trabalho voltando pra você”.Goyzueta, uma das fundadoras de Sumaúma, sabe que o apoio financeiro que o veículo recebe nem sempre é uma realidade acessível. “Realmente as pessoas são muito esforçadas, querem muito fazer jornalismo, mas não é fácil para todos”, disse.